Fraudes em licitações na prefeitura de Niterói movimentaram mais de R$ 371,5 milhões

10 de junho de 2016 19:02

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Segundo promotor, ‘esquema criminoso’ atua há mais de uma década na Emusa

 

Promotor Rubem Vianna afirma que empresas envolvidas têm ligações entre si – Divulgação/MPRJ

 

NITERÓI – O Ministério Público Estadual avança na investigação daquele que pode se tornar um dos maiores casos de corrupção da história de Niterói. De acordo com o promotor Rubem Vianna, da Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf), um intrincado esquema criminoso foi montado por empresários e agentes públicos com o objetivo de beneficiar as empresas Translar e Arkitec, que dominaram os contratos de prestação de serviços para a prefeitura de Niterói, celebrados principalmente pela Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa). Apenas a Translar acumulou desde 2007 — período que é investigado — contratos que somam R$ 371,5 milhões.

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Segundo Vianna, a Translar — através de um de seus sócios, Ronaldo Abdala, e do gerente Kleber da Silva Soares, apontado como braço-direito de Abdala — usava empresas em conluio para falsear licitações na Emusa, impedindo que houvesse uma concorrência real pelos serviços.

— Trata-se de um esquema criminoso promovido por uma associação extremamente articulada, com atuação marcante de mais de uma década para a obtenção de contratos com a prefeitura de Niterói e suas empresas públicas. O MP tem elementos suficientes para afirmar que as licitações que acabaram por beneficiar Translar e Arkitec foram criminosamente arranjadas, a partir das quais se operou o enriquecimento ilícito de empresários e servidores públicos. Foram produzidos danos expressivos ao erário, caracterizando prejuízos a investimentos em serviços básicos — afirmou o promotor.

O procedimento investigatório criminal (PIC) do MP inicia a apuração a partir do pregão presencial 002/2007 da Emusa, vencido pela Translar com uma proposta de R$ 27,4 milhões para um ano de serviços. Competiram com a Translar pelo contrato as empresas Arkitec, Cael, Brascon, Rotac, Mauad e FTJ Engenharia, que também teriam se revezado na participação das disputas que deram origem a seis aditivos entre 2008 e 2012. De acordo com Vianna, os donos e administradores das empresas têm vínculos familiares e societários entre si, elemento que ajuda a comprovar a fraude.

De acordo com o MP, além de cinco aditivos, com duração de um ano cada, assinados entre 2008 e 2012, a Translar teria se aproveitado até mesmo da tragédia das chuvas de 2010 para faturar: a empresa conseguiu um aditivo de 25% ao acordo vigente naquele momento. No entanto, segundo o procedimento apresentado por Vianna à Justiça, a Emusa — então presidida por José Roberto Mocarzel — concedeu esse adicional sem “qualquer planilha que fundamente o acréscimo”.

Outro ponto questionado pelo MP versa sobre a publicidade das concorrências públicas: segundo a Lei de Licitações, os editais de convocação deveriam ser publicados no Diário Oficial do município e em jornais de grande circulação no estado do Rio. Isso, entretanto, não ocorria. De acordo com o depoimento de José Carlos da Rocha Luiz, então diretor administrativo da Emusa e responsável direto pela área de licitações, a Emusa se limitava a publicar os editais em jornais locais. Ele admite também que não utilizava o cadastro de fornecedores da empresa e que também não realizava pesquisa de mercado, como manda a lei. O GLOBO-Niterói tentou contato com José Carlos da Rocha Luiz para tratar das supostas irregularidades nas licitações, mas não conseguiu localizá-lo até o fechamento desta reportagem. José Roberto Mocarzel também foi procurado para comentar as acusações do MP, mas não retornou os contatos.

O promotor tem convicção de que a fraude continua no atual governo, embora ainda não tenha provas do envolvimento de servidores nesse período. Desde 2013, a Arkitec assumiu os contratos na Emusa. Na atual gestão, a empresa foi beneficiária de dois aditivos e um contrato, estimados em mais de R$ 36,7 milhões. Já a Translar passou a vencer disputas na NitTrans e na Secretaria de Conservação: foram mais de R$ 86,1 milhões.

Segundo Rubem Vianna, várias das empresas participantes das concorrências não tinham condições de efetivamente prestar os serviços em disputa. É o caso da Cael, que concorreu ao contrato de 2007 e dois de seus aditivos.

Em depoimento, Helio Thompson, um dos sócios da Cael, apontado por outros depoentes como o responsável pelas licitações no grupo, afirma que sua firma não poderia ter saído vencedora das disputas, pois “não tinha preço para concorrer”. Na interpretação do MP, este é um indício claro de que a Cael entrou nas concorrências sem a intenção real de ganhar. A Cael, entretanto, contesta essa versão. Bruno Rodrigues, advogado da empresa, diz que Helio Thompson só se tornou sócio quatro meses depois da licitação original, não sabendo detalhes daquela disputa. Além disso, diz que a empresa podia, sim, vencer:

— A Cael, fundada em 1993, tinha condições técnicas de prestar os serviços. O que não tinha era preço para vencer as empresas que praticam preços predatórios.

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Translar e Arkitec negam participação no esquema.

TRANSLAR E ARKITEC NEGAM IRREGULARIDADES

Translar e Arkitec, apontadas como pivôs do esquema de corrupção pelo Ministério Público, negam que tenha havido irregularidades nas concorrências em contratos e aditivos com a prefeitura de Niterói. Segundo elas, os vínculos de parentesco e sociedade entre dirigentes das empresas envolvidas não configuram crime.

De acordo com Bernardo Moreno, advogado da Translar, Ronaldo Abdala e Kleber da Silva Soares não têm envolvimento com fraudes em licitações de Niterói. Segundo a defesa da Translar, as concorrências transcorreram dentro da legalidade.

— O fato de duas pessoas com algum grau de parentesco constituírem sociedades distintas não constitui qualquer ilícito, mesmo que venham a participar de uma mesma licitação. As concorrências investigadas pelo MPRJ foram realizadas nos exatos termos da lei — argumenta o advogado.

Dennis Cincinatus, advogado da Arkitec, nega que Abdala seja um dos donos do grupo, através de sua empresa Nazafon, como afirma o MP. Ele também descarta que a empresa e um de seus sócios, Julio Pinheiro de Carvalho, tenham se beneficiado do esquema investigado na Emusa.

— Foram seguidas todas as regras e nunca foi identificada qualquer mácula. Todas as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), nunca houve qualquer questionamento — diz o advogado da Arkitec.

Há três meses, após denúncia feita pelo “RJTV”, da TV Globo, a prefeitura chegou a romper o contrato com a Arkitec, mas a empresa conseguiu na Justiça desfazer a decisão, alegando que não houve direito de defesa. Segundo a secretária municipal de Planejamento, Giovanna Victer, a empresa tem até a próxima sexta-feira para apresentar sua defesa. Ainda segundo ela, assim que teve acesso ao conteúdo das denúncias, determinou que a Emusa exonerasse José Carlos da Rocha Luiz, o que, segundo ela, ocorreu em 12 de agosto. Ela afirma que só com a realização de nova licitação será possível saber se houve dano aos cofres públicos nos contratos da atual gestão.

— Como o serviço foi de fato prestado, só poderemos saber se houve algum dano ao erário pela restrição de competição com base no preço que obtivermos na próxima licitação — explica a secretária.

Quanto aos contratos da gestão anterior, ela afirma que a apuração será mais difícil e dependerá da evolução do caso no Ministério Público:

— É interesse total da prefeitura que tudo seja apurado e que as questões sejam diagnosticadas. Estamos trabalhando muito tanto com o Ministério Público quanto com o TCE-RJ.

OPOSIÇÃO QUER INVESTIGAÇÃO NA CÂMARA

A bancada de oposição cobra que a Câmara Municipal se engaje na investigação dos fatos denunciados pelo MP. No fim de maio, após as denúncias virem a público, o vereador Bruno Lessa (PSDB) apresentou um pedido de CPI para investigar os contratos de Translar e Arkitec, mas a base do governo não assinou. Na ocasião, o presidente da casa, Paulo Bagueira (SD), disse que a apuração ficaria a cargo das comissões permanentes. Desde então, apenas uma reunião com secretários ocorreu, e os requerimentos feitos pelos vereadores não foram respondidos. Bruno segue defendendo uma CPI e critica os colegas e o governo.

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— O que me espanta é a inércia da prefeitura e da Câmara em não investigarem esses contratos. São muitas perguntas que precisam ser respondidas — diz o parlamentar.

Paulo Eduardo Gomes (PSOL) acredita que a CPI sobre as contas do ex-prefeito Jorge Roberto Silveira (PDT) e do ex-presidente da Emusa, José Roberto Mocarzel, na Suíça, já aprovada na casa, pode ajudar a esclarecer os meandros do caso Translar.

— Diante da comprovação de que Jorge e Mocarzel tinham contas secretas na Suíça, conseguimos sete assinaturas e faremos uma CPI para investigar os contratos que podem ter gerado essas riquezas ilícitas. Teremos trabalho pela frente, inclusive porque estamos vendo que o esquema continua no atual governo e não podemos deixar isso sem uma devida apuração — afirma o vereador, autor do pedido da CPI sobre as contas na Suíça.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/bairros/fraudes-em-licitacoes-na-prefeitura-de-niteroi-movimentaram-mais-de-3715-milhoes-17270420#ixzz4BCkSUk2l

ObservatórioSocial de Niterói

Organização apolítica e apartidária sem fins lucrativos que, por meio do monitoramento das contas públicas visa otimização da gestão pública…


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